- Está vindo de onde? –Puxou assunto um homem de meia idade sentado ao meu lado no ônibus que ia do aeroporto internacional de São Paulo até o metrô.
- Da Alemanha, de Leipzig – Respondi surpreso pela interpelação inesperada.
- Que bacana. Que foi fazer lá?
- Apresentei uma pesquisa numa conferência sobre decrescimento econômico.
- Ah..sim. Crescimento econômico? – Tentou me corrigir.
- Não não. Decrescimento. – Respondi, percebendo o quanto aquela situação era simbólica. Afinal, o que fazia um brasileiro em uma conferência sobre decrescimento econômico?
No cenário econômico mundial, o Brasil desponta como 7º colocado no ranking dos países com maior Produto Interno Bruto (PIB) e os candidatos às eleições presidenciais debatem a melhor maneira de acelerar o crescimento do país. Enquanto isso, em Leipzig, Alemanha, entre os dias 2 e 6 de setembro, acadêmicos, ativistas e artistas de vários países se reuniram na 4ª Conferência Internacional sobre Decrescimento para Sustentabilidade Ecológica e Equidade Social com a certeza de que crescer não é uma meta inteligente em termos sociais e ambientais para economias nacionais. O PIB mede apenas o valor monetário do resultado de uma economia, sem explicitar os custos e benefícios nem a natureza destrutiva ou construtiva do que está sendo medido. Consequentemente, não pode expressar com consistência o bem-estar de uma população nem de que forma suas atividades econômicas se relacionam com o ambiente natural da qual são parte.
Decrescimento (Degrowth, em inglês), por outro lado, não se refere apenas ao decrescimento do PIB, mas a um processo de redução da escala da economia dos países industrializados a níveis biofísicos ecologicamente aceitáveis, buscando formas mais justas de distribuição do consumo dos recursos naturais. Em face da crise socioambiental e econômica alimentada pela obssessão por crescimento, o Decrescimento desafia o paradigma econômico convencional, e propõe a construção de uma economia focada na busca de melhorias qualitativas e não em crescimento quantitativo. O Decrescimento enfatiza não apenas o “menos”, mas também o “de outra forma”, como dito na plenária de abertura da 4ª Conferência.
Mas o que é o Decrescimento? Um conceito econômico? Um movimento socioambiental? Uma ideologia? Um quadro interpretativo (frame, das teorias dos movimentos sociais)?1 Afinal, a própria Conferência acaba por demonstrar que o Decrescimento é um tema mobililizador e um conceito guarda-chuva que reune para a ação coletiva uma diversidade de grupos envolvidos com economia solidária, pós-extrativismo, bens comuns, feminismo, pós e anti-capitalismo, bem-viver, democracia ecológica radical, e por aí segue. Apesar da pluralidade de abordagens reunidas, o Decrescimento não pretende ser a panaceia das crises sociais, ambientais e econômicas. Representa a discussão sobre um conjunto de aspectos da realidade, não um termo totalizador da problemática. Por outro lado, não é um conceito estático, está em construção e disputa e na Conferência emergiram diferentes esforços em inserir as agendas dos grupos ali presentes.
Decrescimento talvez soe como uma palavra estranha para o Brasil e para os demais países do Sul Global, já que apesar de abrigarem 84% da população mundial respondem por apenas 22% do consumo2. Mas para esses países, o Decrescimento passa pela desmistificação do crescimento. A perspectiva crescimentista que entende desenvolvimento como simples mitigação da pobreza e provisão de necessidades básicas, impede as transformações qualitativas nas estruturas produtivas e capacidades sociais e o acesso a tecnologia nesses países. Crescemos mas permanecemos indefinidamente “em desenvolvimento”. Os benefícios do crescimento vêm de forma desigual e às custas de grande impacto ambiental e do estilo de vida de populações marginalizadas. Ainda, propõe-se desconstruir a noção de uma transição do subdesenvolvimento para o desenvolvimento de maneira uniforme3 e indefinida como impõe o Desenvolvimento Sustentável. Nesse sentido, conceitos como Buen Vivir, Direitos da Natureza e Democracia Ecológica Radical foram trazidos para a Conferência por países do Sul Global.
Esses conceitos foram recorrentemente utilizados ao longo da Conferência como grandes contribuições do Sul para pensar o Decrescimento. Prevaleceu um discurso que enfatiza a cooperação e a troca de saberes entre os movimentos por justiça socioambiental do Sul Global e o decrescimento dos países chamados desenvolvidos. Por outro lado, apesar de usar o termo “dois lados da mesma moeda”, o debate não se aprofundou nas questões geopolíticas globais que mantém os países do Sul reféns da exportação de commodities e dos custos socioambientais dos processos que alimentam a economia dos países do Norte. Carece ainda detalhamento sobre de que forma se manterão os níveis de bem estar ao mesmo tempo em que se reduza a escala de uso de recursos naturais nesses países e, principalmente, sobre onde continuarão sendo produzidas as commodities para a nova economia descommoditizada e decrescida. Emancipar as economias do Sul ainda não aparece com frequencia como prioridade no debate.
O Decrescimento tem ensejos de representar uma alternativa pós-capitalista, mas para não tornar-se eurocêntrico precisa debruçar-se sobre as relações de poder entre Norte e Sul global. É um desafio dos países do Sul cavar um oco nessa discussão. Alberto Acosta, economista e político equatoriano, performou alguns esforços para fazer emergir esse tema. Mencionou o Acordo de Londres de 1953, que negociou a dívida alemã no pós-guerra de maneira favorável ao país, como uma alfinetada para discutir a dívida externa dos países do Sul Global. Ao mesmo tempo, apontou que o decrescimento deve passar pelo reconhecimento das dívidas histórica e ecológica dos países chamados desenvolvidos. A plenária de encerramento da Conferência detectou que a geopolitica global não foi contemplada de maneira satisfatória durante o evento. Essa percepção aponta para a possibilidade de enfatizar melhor esse tema nas próximas conferências e na evolução do debate.
Com 554 eventos no programa e dezenas deles acontecendo concomitantemente, essas impressões são resultado da minha participação intensiva, porém limitada, e do que apreendi dos diversos espaços que escolhi estar ao longo dos cinco dias de evento. Participar em outros espaços poderia ter gerado impressões distintas. O movimento está crescendo muito rapidamente, tentando gerar respostas para uma crise mundial econômica e ambiental. Seu ponto mais forte pode ser talvez a capacidade de enxergar também uma crise social que outras propostas como a economia verde se recusam a ver. Dessa forma, o Decrescimento abre espaço para pensar não simplesmente reformas para o modelo socioeconômico em curso, mas transformações fundamentais que vão muito além do falso consenso imposto pelo discurso do desenvolvimento sustentável.
1 Demaria, F. et al. (2013). What is Degrowth? From an activist slogan to a social movement. Journal of Environmental Value. 22 (2013) 191–215
2 Assadourian, E. (2010). The Rise and Fall of Consumer Cultures. In: Starke, L., & Mastny, L. (Orgs.). State of the World 2010, Transforming Cultures, From Consumerism to Sustainability. A Worldwatch Institute Report on Progress Toward a Sustainable Society. (pp. 262) New York: W.W. Norton & Co.
3 Martínez-Alier, J. (2012). Environmental Justice and Economic Degrowth: an alliance between two movements. Capitalism Nature Socialism, 23 (1) 51-73.
A 4ª Conferência Internacional sobre o Decrescimento para Sustentabilidade Ecológica e Equidade Social foi realizada entre os dias 2 e 6 de setembro de 2014, em Leipzig (Alemanha). Nela participaram cerca de 3000 pessoas de 74 países debatendo propostas para reduzir voluntariamente a produção e o consumo para aumentar o bem-estar. Foram mais de 600 propostas de contribuições, não só de toda a Europa, mas também do Japão, da Índia, do Brasil e dos Estados Unidos. A 1ª Conferência aconteceu em Paris em 2008, a 2ª em Barcelona em 2010 e a 3ª em Veneza e Montreal em 2012.